8 de mai. de 2013

Minotauro venceu lutas que pareciam perdidas no octógono e na vida

É mole? 

A história de como o campeão do UFC Rodrigo Minotauro venceu lutas que pareciam perdidas, no octógono e na vida, e virou uma referência para lutadores, executivos e empresários
Quatro lutadores de MMA, um treinador e um repórter superlotam uma off-road verde, ao som de uma rádio que toca Call Me Maybe, da cantora teen Carly Rae Jepsen.

O lutador Rodrigo Minotauro Nogueira checa o Facebook e o Instagram pelo celular no banco do passageiro. As redes sociais disputam sua atenção com a missão de encontrar uma loja de colchões no Recreio dos Bandeirantes, bairro de classe média alta da Zona Oeste do Rio de Janeiro. Quando encontra, o susto: 190 reais por colchão – e ele precisa de três.

Um dos lutadores sugere pedir desconto ao gerente. Assim, um campeão do UFC de 36 anos, pesando 108 quilos e com 1,90 metro de altura, acompanhado de dois amigos com porte parecido, entra na loja para barganhar. Apesar da pressão, a comitiva volta desolada com a constatação de que a tabela de preços pode ser mais dura do que eles, que são obrigados a comprar os colchões sem desconto.

Minotauro venceu lutas que pareciam perdidas no octógono e na vidaO carro parte, então, em direção ao condomínio no mesmo bairro onde Minotauro mantém três apartamentos que acomodam os cerca de 25 atletas que vêm de todo o Brasil para fazer parte da Team Nogueira, a academia da qual ele e o irmão gêmeo e homófono Rogério Minotouro Nogueira são donos. Três novos atletas haviam acabado de chegar do bairro carioca de Santa Teresa e não tinham onde dormir. Minotauro se preocupa ainda com o funcionamento das torneiras e com o que mais for necessário, fiscalizando também os horários de seus pupilos.

Nenhum deles paga para integrar a equipe. Fazem parte de um negócio lucrativo. Além de ter sido o único campeão peso-pesado tanto do campeonato japonês Pride (2001 e 2003) quanto do UFC (2008) e somar 34 vitórias em 41 lutas, Minotauro também é empresário. O que começou com uma academia no Rio, em 2007, virou uma rede de franquias no Brasil e nos Estados Unidos que depende do desempenho dos lutadores. Hoje a Team Nogueira possui cinco filiais: em San Diego (EUA), São Paulo, Joinville, Londrina e no Cachambi, na Zona Norte carioca.

Também abrirá mais 14 em 2013 e prevê outras 50 para os próximos anos. Possui 740 alunos só na matriz, que fica no Recreio dos Bandeirantes. Desde dezembro de 2011 ele não é o campeão de sua categoria, posto ocupado por Cain Velasquez. Nem parece no auge da forma como o peso médio Anderson Silva, que é seu pupilo: foi Minotauro quem o incentivou a continuar quando já desistia da profissão. (“Rodrigo Minotauro foi um cara que fez toda a diferença na minha vida”, escreveu Anderson em sua biografia. “É um irmão para mim. Foi ele quem me apresentou ao UFC”, disse à PLAYBOY.) O que Minotauro tem de especial são carisma e currículo únicos.

Ficou famoso por suas lutas memoráveis, algumas consideradas verdadeiros clássicos por terem sido vencidas quando a vitória parecia improvável. Graças a esse perfil de lutador da virada, Minotauro encontrou outro filão de negócios nas palestras motivacionais. A primeira foi com jogadores de beisebol, no início da temporada do esporte no Japão, em 2001. Hoje ele é guru de executivos e equipes de vendas de empresas como Globosat, L’Oréal e Oi. Nos encontros, pelos quais cobra entre 20 000 e 30 000 reais, conta a história de sua vida, mostra as lutas mais difíceis que venceu e filosofa sobre temas como determinação e superação.

A condição de vencedor nas adversidades, na verdade, vem de muito antes de subir no octógono, onde estreou já com a cicatriz de infância em forma de buraco que carrega nas costas, sequela de um acidente que sofreu aos 11 anos de idade. Brincava na caçamba de um caminhão com amigos, no aniversário de um primo, em Vitória da Conquista, sua cidade natal, no interior da Bahia. Quando o motorista deu a partida, as crianças pularam pelos lados, mas ele resolveu pular por trás, bem na hora em que o caminhão saiu de marcha à ré.

“Só lembro das rodas passando por cima do meu corpo e do Rogério me puxando”, diz Minotauro, que ainda se levantou e foi andando até o carro antes de desmaiar, a caminho do hospital. Naquele tempo, a mãe, Marina, dona de academia, e o pai, Hamilton, contador, ainda eram casados e cuidaram juntos do filho, internado por oito meses com o diafragma e o fígado rompidos e as costelas quebradas. “Fui eu quem levantou ele do chão”, diz o irmão. “Fiquei mal todo o tempo em que ele estava no hospital.” Minotauro teve de reaprender a andar e só em um ano e meio retornou às atividades, como o judô, que praticava desde os 4 anos.

Quando passou a treinar jiu-jítsu, aos 17, os colegas notaram a semelhança física de Rodrigo com a figura mitológica do Minotauro, descrito pelo poeta romano Ovídio como “parte homem e parte touro”. Rodrigo gostou e adotou o apelido. Rogério, por sua vez, para não perder a referência de irmão, virou Minotouro. Ficar diante de Minotauro realmente é intimidador. Com sua orelha amassada no tatame, frequentemente mancando por causa das lutas dos treinos, ele compensa sua aparência de figura mitológica com simpatia e eloquência surpreendentes para quem ganha a vida batendo e apanhando.
Minotauro venceu lutas que pareciam perdidas no octógono e na vidaEm 1998, Minotauro se juntou nos Estados Unidos à mãe, que já havia se divorciado e tinha ido morar com uma prima para fazer um curso de acupuntura. O lutador morava em Miami Beach e pedia emprego em qualquer lugar por um punhado de dólares. Até fingiu que falava inglês para trabalhar em uma pizzaria, mas logo foi desmascarado. Um dia surgiu a oportunidade que lhe renderia as primeiras aparições na TV. Uma amiga da irmã, que era modelo, o convidou para fazer figuração em um programa de música latina chamado Caliente. “Eu ganhava 100 dólares para dançar salsa o dia inteiro no sol de 40 graus de Miami”, diz ele em voz baixa. As figurações duravam até três dias seguidos e eram conciliadas com os treinos. O baile durou cerca de dez meses.
Assim, com o suor de seu swing, Minotauro comprou dez tatames e passou a dar aulas em uma academia. A essa altura já misturava técnicas de jiu-jítsu com outros estilos e lutava na grade, como eram chamadas as lutas de Mixed Martial Arts, o MMA. Logo foi convidado a lutar contra um tenente do Exército americano invicto em 12 lutas. E venceu.
Com apenas uma luta no currículo, colocou nele outra vitória que não existia para atender aos requisitos e conseguir uma vaga no torneio King of Kings, em 1999, no Japão, onde começava a febre do MMA. Lá Minotauro se tornou herói. Concorrendo nos campeonatos japoneses, o King of Kings e o Pride, entre 1999 e 2006, o tempo do vale-tudo, venceu 25 das 30 lutas disputadas e tornou-se ídolo. “O brasileiro levou de volta à cultura japonesa uma arte que eles haviam esquecido”, explica o lutador referindo-se ao jiu-jítsu.
Em 2003, não era difícil encontrar videogames e camisetas estampadas com o rosto escalavrado de Minotauro, Wanderlei Silva e Murilo Bustamante. Na época, a TV japonesa pagava até 20 000 dólares por uma entrevista com os brasileiros e o Pride já premiava com cifras de seis zeros. No entanto, a TV Globo ignorava o esporte e o assunto era tabu nos cadernos esportivos por ser considerado violento. “A reportagem que a Glória Maria fez no Fantástico foi um divisor de águas para o MMA no Brasil”, afirma Minotauro. Tanto que a sala de imprensa da sede da Team Nogueira recebeu o nome da jornalista. “Eu também não entendia dessa luta e era totalmente contra, mas fui conhecendo os lutadores e, quando cheguei lá, eles mostraram a alma e vi que eram verdadeiros ídolos”, conta Glória, que passou um ano tentando convencer a TV Globo a mandá-la ao Japão.
Assim, em 2007, ele já era um mito quando entrou para o UFC, nos EUA. Em 2010, depois de cinco lutas e três vitórias, teve de parar de lutar e operar o joelho esquerdo e os dois lados dos quadris. Ângela Côrtes, fisioterapeuta, mudou-se dos EUA para tratar Minotauro no Brasil. Trinta dias depois da primeira cirurgia nos quadris, sem poder pôr os pés no chão e com menos esperança do que um suicida em cima de uma ponte, Rodrigo entrou na clínica.
– Rodrigo, aqui eu trabalho com objetivos. O que você quer? – disse a fisioterapeuta.
– O que eu quero a senhora não pode me dar. Eu quero voltar a lutar – disse ele, olhando para os sapatos.
– Você não me tirou dos Estados Unidos para fazer isso. Eu vou perguntar de novo. O que você quer?
– Eu quero voltar a lutar – afirmou.
Era janeiro de 2011, e a primeira luta de UFC no Brasil, que ocorreria em agosto, nem havia sido programada. Depois da conversa, a especialista deu uma carona ao lutador. As pessoas que o receberam em casa foram os lutadores Anderson Silva e Rafael Feijão. “Um atleta de alto rendimento, quando se encontra numa situação dessas, acaba ficando um pouco depressivo”, afirma Feijão. “Quando falei que ia voltar, a maioria não apoiou, mas por preocupação”, diz Minotauro. “Os poucos que acreditaram foram o Anderson, o Feijão e o meu irmão.”
Em março, um mês depois da segunda cirurgia nos quadris, surgiu a notícia da luta com o americano Brendan Schaub, que marcava a estreia do UFC Brasil. A vontade de voltar acendeu o pavio da dinamite que Minotauro explodiria no octógono da HSBC Arena ao nocautear Schaub no primeiro round e garantir um retorno estrondoso ao UFC cinco meses depois. A lenda estava viva – e crescia.
Não é só na luta que Minotauro se garante. Em 2010, foi possível vê-lo ao lado de nomes como Jet Li, Jason Statham e Sylvester Stallone no filme Os Mercenários, dirigido pelo próprio Stallone e no qual o lutador fez uma ponta. “Tomamos açaí a filmagem inteira com o Stallone”, recorda. Em 2012, além de relembrar os tempos de swing no quadro A Dança dos Famosos, do Domingão do Faustão, o lutador atuou no primeiro episódio do programa A Vida de Rafinha Bastos, do canal FX.
“Ele filmou das 7 às 21 [horas] sem fazer exigências e estava sempre pronto para gravar”, relembra Rafinha, que já conhecia Minotauro dos corredores das lutas. “Com certeza poderia investir na carreira de ator. Falando sério”, afirma o comediante. Neste ano, Minotauro está na TV como treinador de uma esquipe no reality show The Ultimate Fighter, da TV Globo.
Ao menos duas vezes por dia é possível vê-lo treinando. Ele ainda precisa reservar tempo para atender os lutadores, os quais chama de “filhos”, a própria filha de 12 anos, que mora em Salvador, a namorada e às obrigações como empresário. O marketing e a imprensa também ocupam seu tempo. “Se eu for atender a todos, não consigo treinar”, diz. E, para lembrar que a entrevista estava no fim, sugeriu que, se o repórter não fosse embora logo, seria escalado para encarar Fabricio Werdum, ao seu lado.
A luta contra Werdum, treinador da equipe rival do programa The Ultimate Fighter, será em 8 de junho, em Fortaleza. E quem vê treinando o Big Nog, apelido de Minotauro nos EUA, percebe que ele está bem longe da aposentadoria, que costuma chegar para os lutadores por volta dos 40 anos. Nada tira seu foco, nem os jornalistas que cercam o octógono, nem as mulheres que se acumulam nas grades. Mas às vezes ele precisa sair para comprar colchões para seus pupilos.
HORA DA VIRADAAs lutas marcantes da carreira de Minotauro 
Bob Sapp, Pride FC (2002) – os 149 quilos do americano assustaram, mas Minotauro não se intimidou e finalizou o gigante de 1,95 metro no segundo round com uma chave de braço.
Minotauro venceu lutas que pareciam perdidas no octógono e na vida
Tim Sylvia, UFC 81 (2008) – o brasileiro finalizou o americano com um golpe de guilhotina e garantiu, pela primeira e única vez, o cinturão dos pesos-pesados do UFC.
Brendan Schaub, UFC 134 (2011) – depois de operar o joelho, os quadris e passar por 790 horas de fisioterapia, Minotauro nocauteou o americano no primeiro round.